quarta-feira, 16 de janeiro de 2008

Aprender a ler


Pricyla Koehler escreve


Um dos traços mais marcantes da cultura do brasileiro é a resistência à leitura. A última pesquisa do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE) sobre o perfil social da população revela que o brasileiro lê, em média, 1,8 livro por ano, ou seja, lê menos de dois livros por ano. Isso é muito pouco.

Evidentemente que se trata de uma média. Logo, há pessoas que lêem mais de um livro por ano. Assim como há pessoas que não lêem nem um livro por ano! E quais seriam os possíveis fatores de tamanha disparidade? De que forma solucionar essa pouca demanda social pela leitura?


Seria muita pretensão minha tentar apresentar soluções para uma deficiência tão arraigada à cultura brasileira e resultante do processo histórico, político e social da formação do Brasil em poucas linhas. Neste artigo, limito-me a expressar meu pensamento sobre um aspecto que, a princípio, pode parecer um detalhe, mas que faz toda a diferença na forma como enxergamos o mundo.

Não podemos ignorar que a maior parte da população vive em situação tão precária que o consumo de “produtos culturais” é um luxo desmedido, principalmente para quem precisa lutar diariamente pela comida, pela roupa, pela casa. Mas também não podemos ignorar o estigma associado à leitura como uma atividade aborrecida, torturante e com pouca, ou nenhuma, utilidade prática. Esses dois fatores aliaram-se com tamanha força que estão empurrando o Brasil para um estado de analfabetismo crônico, incluindo os que não aprenderam a ler e os que foram induzidos a não gostar de ler.

A Cativa representa uma resposta, ou melhor, uma reação a essa tendência e propõe aumentar a demanda social pela leitura. Isso é ótimo, pois é a leitura que fornece instrumentos para o desenvolvimento do senso crítico, através do qual é possível compreender tudo aquilo que se lê, para então interagir com o meio de uma maneira consciente e não tão ingênua e simplista, como normalmente ocorre.

Mas antes de interpretar o mundo e construir uma opinião crítica fundamentada a partir de tudo o que nos é ofertado, é preciso aprender a ler. Sim, aprender a ler. Isso pode parecer um detalhe, mas ler não é simplesmente decodificar os signos. Ler é atribuir sentido a algo. Se você decodifica os signos mas não consegue transpor sentidos para o seu mundo sensível, então você não leu. Olhou, mas não viu. E isso é o que mais ocorre em nossa sociedade, infelizmente. Vivemos a sociedade da informação que não informa.

Fala-se muito sobre a democratização da informação e a própria Internet é um novo meio que potencializa isso, entretanto essa ainda é uma perspectiva bastante limitada da situação. De fato temos cada dia mais possibilidades de acesso à informação e somos constantemente bombardeados por tudo aquilo que acontece a nossa volta. Mas até que ponto conseguimos dar sentido à imensa quantidade de signos que nos são apresentados? Será que conseguimos ler?

Vivemos num momento político-social em que aquilo que você não diz assume mais importância do que aquilo que você diz. Além da leitura aparente é preciso exercitar a capacidade de ler as entrelinhas. Ter informação não significa ter poder. Poderoso mesmo é aquele que sabe trabalhar conscientemente a informação que tem (conhecimento).

Superar a falta de interesse do brasileiro pela leitura está além das barreiras mercadológicas, uma vez que nem mesmo a facilidade de acesso à informação, possibilitada pelo desenvolvimento tecnológico dos meios conseguiu modificar, mesmo que minimamente, essa realidade. Nem mesmo a atual transformação do conhecimento em artigos de consumo (seja através de livros, filmes, gibis, etc) é capaz de interferir de maneira densa nessa triste realidade.

Ou seja, o desafio é não só aumentar a demanda social pela leitura, como também proporcionar meios e alternativas para que o conhecimento construído possa tornar-se instrumento de transformação.


* Pricyla Koehler é estudante de Comunicação Social – Jornalismo na Universidade Federal de Mato Grosso.